Lendas urbanas famosas
Meu nome é Camila. Sempre fui uma criança animada. Eu amava sair com meus amigos, amava ler, brincar, jogar bola no quintal da minha casa… Mas amava ainda mais brincar com a Clara, minha melhor amiga.
Na época, não havia computadores nem nenhuma tecnologia de que eu gostasse muito. O máximo que havia eram videogames como o Dynacom, mas eu não tinha um, era uma criança pobre. Então, minha distração era brincar com a Clara, até porque morávamos uma ao lado da outra.
Mas naquele dia… Eu realmente não sei o que aconteceu.
Estou escrevendo isso porque não consigo mais ficar com isso na minha cabeça! Preciso contar para alguém, preciso aliviar esse stress, porque a cada dia que se passa, parece que há mais e mais peso em minha consciência. Me chamam de louca por falar deste assunto, não acreditam em mim!
Eu estava com minha amiga, a Clara. Ela era loira, tinha olhos azuis, parecia um anjinho. Era uma amiga incrível, era rica e tinha brinquedos que eu nunca tinha visto na vida. Os pais dela sempre viajavam e traziam as coisas mais incríveis do exterior para nós duas. Eles me achavam uma criança muito certinha, e gostavam que eu andasse com a filha deles. Tínhamos apenas 6 anos naquela época.
Um dia, voltando de uma viagem ao Japão, os pais delas nos trouxeram vários brinquedos, dois de cada para que ela tivesse um e eu ficasse com o outro. Mas o que mais chamou a nossa atenção naquele dia foram duas bonecas japonesas que eles trouxeram. Uma era loira dos olhos azuis, e a outra com cabelos e olhos negros como a noite. As duas eram muito, muito lindas. Havia uma cordinha que podíamos puxar atrás delas, e quando puxávamos, as bonecas falavam. Elas diziam frases como “Mamãe, eu te amo!”, “Estou com fome!”, “Quero um abraço”. Na nuca de cada boneca havia um nome. A boneca loira se chamava Anny, e a morena se chamava Melody.
Eram bonecas incríveis, para crianças da nossa idade, naquela época. Eram simplesmente divinas aos nossos olhos. Decidimos que Clara ficaria com a boneca de cabelos loiros, e eu ficaria com a de cabelos pretos. Isso porque ela era loira, e a boneca combinava com ela. E a mesma coisa acontecia comigo, já que eu tinha cabelos e olhos bem escuros.
Ficamos brincando o dia inteiro com as bonecas. Quando deu por volta de 6h da tarde, minha mãe me gritou da minha casa, me chamando pra entrar. O pai de Clara gritou de perto da gente dizendo: “Dona Júlia, espere um momento, eu levo a Camila para casa!”. Minha mãe fez um sinal de okay para ele, e ele chamou a mim e a Clara para perto dele.
Ele tinha juntado todos os brinquedos, os quais nem havíamos olhado, de tanto amor que sentíamos pelas bonecas. Ele separou os brinquedos, deixando um para mim e outro para Clara de cada um dos que ele trouxe. Ele colocou os meus dentro de um saco bem grande e pediu que sentássemos com ele na varanda da casa deles.
– “Meninas, sentem-se aqui de frente pra mim.”
Nos sentamos, e ele começou a contar uma história pra gente, como sempre fazia depois das viagens dele.
– “Hoje eu vou contar pra vocês como eu consegui todos estes brinquedos. Querem saber?”
– “Sim!”, dissemos as duas juntas, como se tivéssemos ensaiado.
– “Haha, bom, então vou contar. Eu e sua mãe, Clara, estávamos hospedados em um hotel lá no Japão que fica em um bairro onde só há brasileiros. Perto do hotel, tem uma rua que tem várias lojas vendendo brinquedos. Eu pensei que seria muito legal comprar alguns para vocês. Vocês gostaram?”
– “Muuuuuuito, tio Jorge!”, eu disse ao pai de Clara. Clara apenas sorriu, abraçando a boneca dela.
– “Haha, vejo que vocês amaram as bonecas, não é? Bem, sabem onde eu as encontrei? Em uma lojinha beeem no final da rua. Foi o último brinquedo que comprei pra vocês, e eu sabia que vocês amariam. O dono da loja me contou que ele mesmo fabricava as bonecas, e que por isso elas falam português. Legal, não é?”
Nós duas ficamos admiradas! Imagina só, um brinquedo que veio do Japão, feito por um brasileiro e que falava português! Nós nos apaixonamos ainda mais pelas bonecas naquele momento.
– “Bem Camila, vou te levar pra casa agora, pois sua mãe já deve estar preocupada. Vamos lá?”
– “Vamos!”, disse eu, super animada.
O pai de Clara pegou a minha sacola de brinquedos e colocou nas costas, segurando com apenas uma mão. Com a outra mão, pegou a mão de Clara e eles dois me acompanharam até a minha casa. Nossos portões ficavam um ao lado do outro, e os muros eram baixos, então minha mãe rapidamente me viu chegando em casa e foi ajudar Tio Jorge com os brinquedos. Peguei a mão da minha mãe, e ficamos na porta de casa olhando Clara e tio Jorge irem para sua casa. Demos boa noite uma para outra quando Clara chegou na porta da casa dela, e entramos.
Minha mãe pegou meus brinquedos e me levou para o quarto junto com eles, colocando a sacola dentro de um baú que eu tinha.
– “Amanhã vamos arrumar os brinquedos, tá bem filha?”
– “Tá bem, mamãe!”
Eu fiquei brincando com a minha boneca por um tempão, até minha mãe me chamar para jantar. Levei a boneca comigo e a coloquei no meu colo. Quando terminei, subi correndo pro meu quarto e fiquei brincando com ela de novo. Até que meus pais entraram no quarto.
– “Filha, hora de dormir!”
– “Mas já, mamãe? A Melody não está com sono!”
– “Está sim, olhe os olhinhos dela! Ela só está muito animada em te conhecer, mas garanto que vocês poderão brincar ainda mais amanhã, e podem chamar a Clara também!”
– “Eba, então vou dormir logo!”
Me deitei com a boneca ao meu lado, e meus pais me colocaram para dormir. Me deram boa noite, e meu pai apagou a luz e fechou a porta.
No dia seguinte, acordei bem cedo, de tão animada que eu estava para brincar. E como eu estava de férias da escola, eu sabia que podia chamar Clara pra brincar. Mas ao me levantar, percebi que minha boneca não estava do meu lado. Ela estava em cima de uma mesinha que eu tinha no quarto, virada na minha direção.
Pensei “minha mãe deve ter tirado ela de perto de mim enquanto eu estava dormindo”. Peguei Melody e desci correndo as escadas. Encontrei meus pais arrumando a mesa de café da manhã, e dei um bom dia bem animado para eles. Comemos e rimos durante todo o café.
– “Mamãe, agora que já acabei, posso chamar Clara para brincar?”
– “Pode sim, minha filha.”
Eu saí correndo de casa e fui até a casa de Clara. Quando gritei seu nome, ela desceu correndo e veio brincar comigo com a Anny na mão.
– “Onde vamos brincar hoje?”, perguntei.
– “Pode ser no parquinho?”
– “Vamos!”
Então corremos para o parquinho. Era um local que ficava em frente as nossas casas, onde havia vários brinquedos para crianças e um laguinho muito bonito. Fomos ficar longe dos brinquedos para que nenhuma criança viesse perto da gente, queríamos brincar sozinhas. Nos sentamos perto do laguinho e fomos brincar.
Eu puxei a cordinha da Melody, esperando ouvir sua doce voz novamente e criar uma brincadeira a partir dela.
– “Vamos brincar de Ache O Tesouro!” ela disse.
Até então, eu e Clara não tínhamos ouvido a boneca dizer isso, então ficamos ainda mais animadas, pensando “tem mais coisa que ainda não conhecemos delas!”.
Clara puxou a cordinha de Anny, e a boneca disse:
– “Sim, Ache O Tesouro! O Tesouro está escondido onde o mundo gira e onde não se respira!”
Olhamos uma para a outra sem entender muito bem o que aquilo queria dizer. Então puxei a cordinha da minha boneca.
– “Onde as plantas dançam e os bichos engolem!”
Ficamos olhando uma para a cara da outra, e Clara disse:
– “É um teste! Temos que achar onde o Tesouro está escondido!”
– “Vamos pensar então!”
Começamos a pensar sobre o enigma. Onde o mundo gira e não se respira, onde plantas dançam e bichos engolem…
Eu olhei para o lago e a resposta veio automaticamente na minha cabeça: na água!
Falei a resposta para Clara, mas ela não entendeu.
– “Onde não se respira: não dá pra respirar debaixo d’água. Onde plantas dançam: já viu planta debaixo da água? Elas parecem dançar! E onde bichos engolem: eles engolem água! Bebem água o dia inteiro!”, eu disse para ela. Ela fez uma cara de quem tinha descoberto o mundo naquele instante. Mas o semblante dela caiu uns segundos depois.
– “Mas e onde o mundo gira?”
Eu tinha me esquecido daquela parte.
– “Aah… er… Eu não sei! Mas eu só consigo pensar nisso, e você?”
– “É, acho que deve ser isso mesmo! Vamos ver.”, Clara disse enquanto puxava a cordinha de Anny.
A boneca nos diz:
– “A água é linda! Se uma pedra cai nela, então todo o mundo da água gira! É assim que se formam as ondas!”
Puxei a cordinha de Melody, e a boneca disse:
– “Água! Água! Para achar o Tesouro, encontre a água dentro da madeira!”
Nos levantamos na mesma hora e começamos a procurar madeiras perto de nós. Não encontramos nada. Então perguntei a Clara:
– “Clara, o que isso quer dizer? Água dentro de madeira? Não tem madeira aqui!”
– “É, só se forem árvores!”, Clara disse, meio irônica. E na mesma hora, fizemos aquele olhar de “eureca” e fomos juntas olhar as árvores.
Até que encontramos uma onde havia um buraco. O buraco ficava bem no chão perto da árvore, como se fosse uma passagem secreta escondida e que dava para debaixo dela. Era um buraco meio pequeno, que só dava pra crianças passarem. Entramos nele sem hesitar, afinal, era quase que um jogo… não era? Algo que as bonecas falaram e que parecia estar dando certo!
O buraco dava para um lugar um pouco escuro, como se fosse debaixo da árvore. Era quase que uma caverna, e a única luz que entrava era a luz que vinha do meio das raízes da árvore, em pequenos pedaços onde não havia terra.
Quando entrei naquele buraco, senti que Melody estava se mexendo na minha mão. Olhei para a boneca e vi como se tivesse algo dentro dela se contorcendo.
Deixei ela cair e saíram dois bichos estranhos de dentro dela. Pareciam besouros, mas eram muito maiores e tinham uma cor meio verde, com duas listras cor de rosa. Quando olhei para Clara, ela estava com os olhos arregalados olhando para Melody, e a Anny estava no chão. Então eu puxei a cordinha de Melody novamente.
– “Me tire daqui. Me tire daqui. Me tire daqui. Me tire daqui. Me ti…”
A boneca começou a repetir a mesma frase várias vezes, até que de repente se calou, como se não tivesse mais tempo para falar. Devia ser coisa do mecanismo da boneca, devia haver um tempo que ela pudesse falar.
Olhei assustada para Clara, que estava com os olhos lacrimejando. Estávamos com medo. E não sabíamos o que fazer. Clara pegou Anny do chão e puxou a cordinha.
– “Água. Água. Água. Água…”
A boneca começou a repetir a palavra incessantemente, até parar de repente assim como Melody. Clara me olhou e disse:
– “Vamos terminar a brincadeira logo. Quero sair daqui.”
Olhamos ao nosso redor, procurando por água. Andamos pela caverna por um bom tempo. Não encontramos nada além de uma pequena poça que estava parcialmente iluminada pelos raios do sol. Chegamos perto da poça com as bonecas nas mãos. Vimos algo na água, como se estivesse se mexendo.
Do nada começamos a ouvir um chiado. Um chiado bem baixinho. Como se fosse água quente evaporando muito rápido, mas era um barulho contínuo.
Ele começou a ficar mais e mais alto, aos poucos. O barulho vinha da minha mão.
Olhei para baixo, na direção de Melody, e vi seu rosto se derretendo, deixando apenas seus olhos e seus cabelos.
Assim que olhei nos olhos dela, o barulho ficou altíssimo, ensurdecedor. Eu não sabia o que fazer. Joguei a boneca no chão e tapei meus ouvidos. Clara fez o mesmo, e quando olhei, a boneca dela estava no mesmo estado que a minha.
Eu não queria tirar as mãos dos ouvidos, mas Clara estava chorando. As mãos dela tremiam em seu rosto, e eu senti que eu devia fazer algo. Então eu peguei o braço dela dei meia volta e saí correndo puxando ela.
A cada passo que dávamos, o barulho aumentava. Corremos e corremos, mas tínhamos nos perdido dentro da caverna, eu não conseguia encontrar a saída! E Clara estava muito assustada para pensar, ela parecia tão pura, ingênua! Eu corri mais ainda com ela, e aquele barulho não parava. Entramos em uma curva e demos de cara com uma parede. De repente o barulho parou, ao mesmo tempo em que ouvimos um grito bizarro, como se alguém estivesse sendo esfaqueado. Até hoje não sei se foi um grito masculino ou feminino… Não tinha como saber naquele instante, eu estava muito… chocada.
Assustadas, tiramos nossas mãos dos ouvidos e fomos andando devagar para o local onde as bonecas estavam.
As bonecas não estavam mais lá. No momento, eu não liguei para esse fato, pois elas poderiam ter se derretido por inteiro, não é?
Então Clara começou a chorar do meu lado, e caiu no chão de joelhos. Eu olhei para ela e perguntei:
– “Clara! Clara o que foi?”
E ela apenas apontou para a nossa frente.
Quando eu olhei, nossas bonecas estavam empaladas na parede, cada uma com uma faca onde deveria ficar o coração. Eu fiquei desesperada. Quem havia feito aquilo?
Falei para Clara que deveríamos sair dali. Mas ela não tirava os olhos das bonecas. De repente ouvimos um pequeno barulho e ela parou de chorar para poder escutar melhor. Era o barulho que as bonecas faziam quando a cordinha era puxada.
Então olhamos para as bonecas e as duas nos encaravam. Começaram a cantar juntas:
– “O Tesouro pega quem entra neste lugar. A caverna sempre fecha, e mata quem entrar. Pra sair terão que ter algo que sacrificar, ou o Tesouro as esconde e ninguém as vai achar.”
Era um ritmo… viciante. Aquela música ficou na minha cabeça por anos, me lembro de cada palavra até hoje.
Clara começou a chorar mais ainda, soluçando. E junto com a música, ouvimos um grito gutural, altíssimo. Vindo de trás de nós.
Clara se recusava a olhar. Ela estava catatônica demais. Eu olhei para trás e vi. Eu o vi, ai, eu o vi, e como eu queria nunca tê-lo visto!
Uma… coisa… com 3 pernas e um braço, sua cabeça estava virada para o lado e eu não sei o que era aquilo, mas havia uma coisa pulsando no lugar onde deveria haver seu nariz. Ele… não… AQUILO estava apoiado nas três… pernas… olhando para mim. O braço dele estava levantado, e de sua mão saíam garras tão afiadas quanto as facas que estavam nas bonecas. Aí então que eu percebi. Suas garras eram, na verdade, facas. FACAS. Seus olhos pareciam os olhos de um gato durante um acesso de raiva. Sua boca parecia a de um tubarão, dentes ultra afiados e horrendos.
Eu estava assustada. Queria correr. Então me lembrei de Clara. Dei um grito chamando o nome dela, mas ela estava com as mãos nos ouvidos novamente olhando atentamente para o chão, chorando e dizendo algo como “me ajude”. Eu não entendia o que ela estava dizendo.
O bicho começou a correr em nossa direção.
Eu gritei o nome dela novamente, tentando nervosamente tirá-la daquele chão. Eu tentei, EU TENTEI, DE VERDADE EU TENTEI!
Mas cada vez que eu tocava nela, ela se encolhia, com medo.
A coisa já estava perto demais… Não havia mais tempo. A puxei com força, mas ela não se moveu. Minha força foi tão grande que eu caí para trás. Eu bati com a cabeça em alguma coisa, e vi o… monstro… eu não sei, AQUELA COISA devorar a minha amiga. A minha melhor amiga!
Ele a estraçalhou de uma maneira tão horrenda… Eu jamais vou esquecer dos olhos dela naquele momento. A sensação de pavor, de medo do desconhecido nos olhos dela… Eu nunca vou me esquecer.
Não sei se foi o cheiro de sangue ou se foi a pancada na cabeça, mas eu desmaiei.
Acordei depois perto de meus pais, em um quarto branco e com uma grande dor de cabeça.
Vi dois médicos chegarem perto de mim. Um estava injetando algo na minha mão e o outro estava com um estetoscópio no meu peito.
Meus pais estavam do meu lado, meu pai abraçando minha mãe que estava chorando. Minha mãe começou a me perguntar como eu me sentia, desesperada.
Eu não conseguia pensar em outra coisa sem ser Clara. Comecei a gritar:
– “Mãe, cadê a Clara? CADÊ A CLARA MÃE? ELA ESTÁ EM PERIGO, TEMOS QUE AJUDAR!”
Minha mãe não sabia o que fazer… Ela estava chorando muito, e a expressão no rosto dela… Era como se ela não entendesse nada naquele momento.
Meu pai então perguntou:
– “Quem é Clara filha? Olha pro papai, e me diz, quem é Clara? É sua amiga?”
– “Como assim, pai? CLARA, a minha amiga, filha do Tio Jorge, que mora do nosso lado!”
Meu pai não entendia nada. Como ele não entendia?! Era minha amiga! Ele tinha me visto sair com ela… ISSO! Ele me viu ir brincar com ela!
– “Pai, eu saí com ela hoje de manhã para brincar no parquinho!”
Então meu pai me disse:
– “…filha… Não temos nenhum vizinho chamado Jorge. E ninguém que mora perto de nós tem uma filha chamada Clara.”
– “Ela está delirando! Doutor, o caso é grave?”, disse minha mãe.
– “Não! Vocês estão doidos! A Clara é minha amiga! MINHA AMIGA! Ela está em perigo, ajudem ela, papai, ajuda ela!”
– “Está bem, se acalme minha filha, onde ela está?”
Finalmente!
– “Ela está dentro da árvore! Tem um buraco na árvore lá no parquinho!”
– “Amor, avise os policiais. Peça que procurem essa criança.”, disse meu pai para minha mãe.
Minha mãe saiu correndo da sala e falou com os policiais. Neste ponto eu estava mais tranquila, eles poderiam ainda encontrar Clara! …não poderiam?
O médico disse aos meus pais que eu só estava exausta. Que a batida na minha cabeça não tinha causado nenhum dano e que eu ficaria bem se ficasse de repouso por uns dias. Então fomos pra casa e eu fui ao meu quarto. Meus pais me deixaram deitada na cama. Mas eu queria fazer algo, precisava me distrair, senão ficaria pensando em Clara por muito tempo, e isso me deixava com uma dor de cabeça horrível.
Fui até o baú onde estavam meus brinquedos, os dados por Tio Jorge. Mas quando eu abri o baú, não havia nada lá. Era como… se nunca tivesse havido nenhum brinquedo ali. O baú estava limpo, não tinha nada. NADA.
Então gritei minha mãe. Ela veio assustada correndo, querendo saber se eu tinha me machucado. Perguntei a ela sobre os brinquedos que Tio Jorge tinha me dado.
– “Filha, não conhecemos nenhum Jorge.”
– “Mãe, é o nosso vizinho! O moço da casa aqui do lado!”
– “…filha, não mora ninguém aí do lado.”
Eu corri para a janela e vi a casa de Clara completamente aos pedaços, como se estivesse abandonada a anos. Eu não tinha entendido isso. COMO PODE? Na manhã daquele dia, a casa estava inteira.
Durante o jantar, eu perguntei aos meus pais se tinham notícias da Clara. Então eles me contaram:
– “Filha, ela estava junto com você perto da árvore?”
– “Sim mamãe!”
– “…filha, não havia ninguém com você quando te encontramos. Você estava sozinha do lado da árvore.”
– “Mas mãe, eu estava na caverna! Dentro da árvore!”
– “Não filha, você estava do lado da árvore, desmaiada.”
– “POR QUE VOCÊS NÃO ACREDITAM EM MIM?”, e gritei e corri chorando para o meu quarto.
Me deitei como se fosse dormir, e fiquei lá naquela posição até meus pais dormirem. Quando todas as luzes se apagarem, eu pulei a minha janela e fui até a casa de Clara. OS PAIS DELA TINHAM QUE ESTAR LÁ!
Então eu bati na porta, mas a porta se abriu sozinha, como se não estivesse trancada. Entrei acendendo a luz e chamando pelo Tio Jorge. Não tinha energia na casa, e a única coisa que iluminava o local eram alguns raios de luz da lua que entravam por buracos nas paredes.
Quando entrei, olhei para o lado procurando por algum sinal de alguém.
Eu jamais vou esquecer o que eu vi.
Na parede, estavam empaladas novamente as nossas bonecas, Anny e Melody. E em cima delas, havia escrito, com sangue:
“O sacrifício foi aceito, o Tesouro está contente. Obrigada por jogar.
Mas cuidado com o lugar, jamais se apresente. Ele ainda vai voltar.”